quarta-feira, 1 de abril de 2015

Um grito abafado no peito...
Por Luiz Maia

Ao remexer com o passado alguns fatos nos conduzem às boas ou más recordações. Em 1970 eu tive de ir morar em São Paulo. Cheguei a namorar uma moça judia, uma relação difícil devido à tradição judaica de só permitir à mulher a união com os judeus, pelo menos à época. Hoje, lendo uma de suas cartas, alguns sentimentos me levaram a um cenário distante cujos atores principais eram nós dois. Foi bom poder relembrar momentos especiais. Naquele tempo dividíamos tudo do pouco que tínhamos.

Repartíamos o pão, as alegrias e os instantes difíceis por que passamos. Éramos jovens, cheios de sonhos por realizar, mas não imaginávamos conhecer tão depressa os desencantos da vida. Eu não desejo esquecê-la, mas não queria falar de dores outra vez. Talvez eu nem queira mais relembrar o meu olhar diante de seu sorriso se esvaindo ao perceber aquela despedida. Eu era um menino ainda, sem saber nada do mundo. Sem dúvida aquele foi um dia triste para mim.

Éramos adolescentes, tentando viver o nosso amor. Não compreendíamos certos parâmetros da vida, lembro-me apenas que éramos felizes a ponto de sermos egoístas. Sentíamos uma alegria pela vida que mais parecia ofensa aos que se diziam tristes. Seu nome era Clarete, mas podia ser Sarah, Sheyla ou quem sabe Maria. Ao ouvir falar de nós dois, nas conversas com amigos, desconfiei que algo estava "errado" conosco. Mas como intuir com clareza as dúvidas se eu nem entendia o significado da palavra holocausto, genocídio ou kibutz? Eu ouvia calado e reconhecia as minhas limitações. Eu era inexperiente, saído do Nordeste do Brasil para residir em São Paulo, mas as pessoas não entendiam minha ignorância do que fosse etnia, no seu sentido mais amplo, como o cultural e genético.

Embora sem acreditar, os pais dela me disseram que não podíamos mais namorar. Daí em diante, como poucos, passei a entender de discriminação. Sofri preconceito por não ser "circuncidado", não ser religioso nem saber falar em iídiche. Não sabíamos os segredos do amor, mas nos amamos tanto! Não entendíamos de sensatez, mas vivemos nossa aventura.
Só agora compreendo a dor dos puros de coração, dos que são confundidos com alienados por serem ingênuos ou por não saberem nada de regras ou condutas sociais. Numa tarde fria do outono paulistano seus pais a colocaram num avião e a mandaram de volta ao seu País de origem. Eles não suportaram ver a alegria em seus olhos, por ela gostar tanto assim de mim. Só mais adiante, já cansado de andar a procurá-la, foi que eu entendi tudo. A ideologia é cruel quando ignora o amor, quando assume o objetivo de separar vidas por meio de um ódio ancestral, incompreendido por nós, mas rasgando de vez o sonho de pessoas que se querem bem.

Luiz Maia
Literatura & Opinião! (Blog pessoal)
http://literaturaeopiniao.blogspot.com.br/

Literatura & Opinião! (Site pessoal)
http://www.luizmaia.blog.br/

Autor dos livros "Veredas de uma vida", "Sem limites para amar", "Cânticos", "À flor da pele" e "Tamarineira - Natureza e Cidadania. Recife-PE.



"É preciso entender que o sentimento de indignidade é saudável às pessoas. Aquele que pensa no bem estar coletivo se livra do egoísmo que o aprisiona. Colabore você também para que tenhamos um mundo melhor."

Nenhum comentário:

Postar um comentário