Um grito abafado no
peito...
Por Luiz Maia
Ao remexer com o passado alguns fatos nos conduzem às boas
ou más recordações. Em 1970 eu tive de ir morar em São Paulo. Cheguei a namorar
uma moça judia, uma relação difícil devido à tradição judaica de só permitir à
mulher a união com os judeus, pelo menos à época. Hoje, lendo uma de suas
cartas, alguns sentimentos me levaram a um cenário distante cujos atores
principais eram nós dois. Foi bom poder relembrar momentos especiais. Naquele
tempo dividíamos tudo do pouco que tínhamos.
Repartíamos o pão, as alegrias e os instantes difíceis por
que passamos. Éramos jovens, cheios de sonhos por realizar, mas não imaginávamos
conhecer tão depressa os desencantos da vida. Eu não desejo esquecê-la, mas não
queria falar de dores outra vez. Talvez eu nem queira mais relembrar o meu olhar
diante de seu sorriso se esvaindo ao perceber aquela despedida. Eu era um menino
ainda, sem saber nada do mundo. Sem dúvida aquele foi um dia triste para
mim.
Éramos adolescentes, tentando viver o nosso amor. Não
compreendíamos certos parâmetros da vida, lembro-me apenas que éramos felizes a
ponto de sermos egoístas. Sentíamos uma alegria pela vida que mais parecia
ofensa aos que se diziam tristes. Seu nome era Clarete, mas podia ser Sarah,
Sheyla ou quem sabe Maria. Ao ouvir falar de nós dois, nas conversas com amigos,
desconfiei que algo estava "errado" conosco. Mas como intuir com clareza as
dúvidas se eu nem entendia o significado da palavra holocausto, genocídio ou
kibutz? Eu ouvia calado e reconhecia as minhas limitações. Eu era inexperiente,
saído do Nordeste do Brasil para residir em São Paulo, mas as pessoas não
entendiam minha ignorância do que fosse etnia, no seu sentido mais amplo, como o
cultural e genético.
Embora sem acreditar, os pais dela me disseram que não
podíamos mais namorar. Daí em diante, como poucos, passei a entender de
discriminação. Sofri preconceito por não ser "circuncidado", não ser religioso
nem saber falar em iídiche. Não sabíamos os segredos do amor, mas nos amamos
tanto! Não entendíamos de sensatez, mas vivemos nossa aventura.
Só agora compreendo a dor dos puros de coração, dos que são
confundidos com alienados por serem ingênuos ou por não saberem nada de regras
ou condutas sociais. Numa tarde fria do outono paulistano seus pais a colocaram
num avião e a mandaram de volta ao seu País de origem. Eles não suportaram ver a
alegria em seus olhos, por ela gostar tanto assim de mim. Só mais adiante, já
cansado de andar a procurá-la, foi que eu entendi tudo. A ideologia é cruel
quando ignora o amor, quando assume o objetivo de separar vidas por meio de um
ódio ancestral, incompreendido por nós, mas rasgando de vez o sonho de pessoas
que se querem bem.
Luiz Maia
Literatura & Opinião! (Blog pessoal)
http://literaturaeopiniao.blogspot.com.br/
Literatura & Opinião! (Site pessoal)
http://www.luizmaia.blog.br/
Autor dos livros "Veredas de uma vida", "Sem limites para amar", "Cânticos", "À flor da pele" e "Tamarineira - Natureza e Cidadania. Recife-PE.
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Autor dos livros "Veredas de uma vida", "Sem limites para amar", "Cânticos", "À flor da pele" e "Tamarineira - Natureza e Cidadania. Recife-PE.
"É preciso entender que o sentimento de
indignidade é saudável às pessoas. Aquele que pensa no bem estar coletivo se
livra do egoísmo que o aprisiona. Colabore você também para que tenhamos um
mundo melhor."
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