terça-feira, 3 de dezembro de 2013

O acidente - 8 de dezembro de 1973
Por Luiz Maia *

No domingo, 8 de dezembro de 2013, completo quarenta anos caminhando sobre rodas. Naquela data fui atingido na cabeça por um tiro de arma de fogo. Segundo eu soube, fora um amigo bêbado que me acertara sem querer. Mas do passado eu quero mais é recordar o tempo em que os palhaços eram a fonte límpida de minha mais pura alegria. Os de agora não me fazem rir.

Naquela sexta-feira à noite de 1973, eu fiquei entre a vida e a morte... Internado no Real Hospital Português, fui submetido a uma delicada intervenção cirúrgica que durou mais de oito horas. O pátio do RHP estava repleto de pessoas, todas querendo saber de mim. Eu, sem querer, fazia muita gente sofrer. Os meus pais estavam arrasados, inconsoláveis, tristes...

Esse acidente me fez conhecer um mundo completamente diferente. Logo eu aprendi a conviver com uma triparesia (diminuição dos movimentos no andar), sequela que carrego comigo até hoje. Após o impacto dos primeiros meses, vieram as dores da alma, as dúvidas com relação ao amanhã. A escuridão e a interrogação caminhariam comigo por um longo tempo...

Aprendi, com os meses, que a palavra "calma" seria a eterna resposta para minhas repetidas perguntas - "Doutor, quando eu voltarei a andar?" - "Calma, meu rapaz, tenha bastante calma..." É duro... mas fazer o quê? Quando passamos por um grande problema, restam-nos poucas saídas. Entre se maldizer e reaver a vontade de viver eu fiquei com a segunda opção. Afinal de contas, a vida é uma sucessão de escolhas.
 
Ao sair do hospital, pela primeira vez, eu chegava em minha casa sem as minhas pernas, andando pelas mãos de irmãos e amigos. Sentado numa poltrona na sala de visitas, com todo o tempo do mundo para aproveitar, pela primeira vez percebi como era bonita a cerâmica de nossa casa. Antes eu só a pisava, grosseira e distraidamente. Agora me sobrava tempo para admirar o belo, mesmo à custa de perdas e de sofrimentos. É a recompensa às avessas, mas não deixa de ser interessante por isso.
 
O começo foi difícil. Passei um ano com vergonha de encarar as pessoas. Fugia de todos. Eu preferia estar em minha casa, no silêncio do terraço e ao lado da minha mãe. Assim eu me sentia protegido. Às vezes o sentimento de culpa me invadia pelo fato de causar sofrimento aos meus pais. Minha mãe já não tinha o mesmo brilho no olhar, expressava amor, em forma de angústia e compaixão.

O tempo passou sem que eu me acostumasse com a ausência dos amigos. Nem sempre conseguimos entender esse tipo de silêncio. Talvez seja isso. Acostumados com a presença e as palavras, quando eles silenciam nos assustam. Esquecemo-nos que também no silêncio a amizade se mantém viva. É difícil conceber que às vezes precisamos aprender a viver sozinhos, curtir a solidão que nos ensina a necessidade de ouvir mais vezes o silêncio que vem de nossas almas. Sem essa introspecção diária fica difícil resolver certas questões.

Eu faço esse comentário com vocês por me sentir útil e feliz! Há bastante tempo eu me sinto uma pessoa melhor, um homem de bem com a vida, em todos os aspectos. Hoje eu agradeço pelas amizades que conquistamos ao longo dos anos, muitas das quais por meio do contato virtual. Essa vontade em traduzir meus sentimentos em palavras vem e volta e eu ensaio uns versos sem a preocupação de produzir, mas de dizer tudo aquilo que eu vivi e estou vivendo. Minha inspiração vem de momentos de sonhos, de instantes de paz, de momentos de saudade, mas de pura alegria e contentamento.

Eu levei a vida inteira me equilibrando em cima de uma navalha: de um lado a vida, do outro a morte. Uma força estranha, que eu não sabia explicar a razão, sempre soprava a meu favor, empurrando-me para a vida! Eu precisava estimular o meu lado fraco a continuar insistindo em poder um dia ser forte. Mesmo incrédulo, por instantes, eu precisava mentir para mim mesmo e assim poder fazer valer a obstinação que em mim vivia adormecida. Garanto que é realmente isso! Sem tirar nem pôr!

Luiz Maia *
Literatura & Opinião! (Blog pessoal)
http://literaturaeopiniao.blogspot.com.br/

Literatura & Opinião! (Site pessoal)
http://www.luizmaia.blog.br/
Autor dos livros "Veredas de uma vida", "Sem limites para amar", "Cânticos", "À flor da pele" e "Tamarineira - Natureza e Cidadania. Recife-PE.

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