sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Saudade dos anos sessenta

Luiz Maia


Recife, sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Às vezes voltar no tempo dói ao compararmos certos aspectos do passado com fatos que se nos apresentam agora. É o caso da década de sessenta que ficou em nossa memória. Naquele tempo havia mais opções e práticas culturais que hoje. Não se trata do número de salas de cinemas, nem da quantidade de teatros que existiam no país. Os anos sessenta foram um período fértil em todas as áreas ligadas à arte em geral.

Não é sonho, mas a pura constatação. Não se trata de números, mas de qualidade de vida. A questão é mais profunda e tem a ver com um maior engajamento da sociedade como um todo, coisa difícil de ocorrer hoje em dia. Naquele período era inegável que dispúnhamos de mais opções e de melhores condições de trabalho na área artística. Como exemplo eu diria que atrizes e atores eram de fato obrigados a ler Shakespeare. Imprescindível era aprender as lições de interpretação com o pai da dramaturgia Universal. Lembro-me de vários artistas que iniciaram nas artes cênicas fazendo teatro nos palcos e/ou nos canaviais pernambucanos. Hoje a coisa mudou. Basta ter um rostinho bonito e um bumbum insinuante para virar artista de televisão. É muito diferente. Como todo conceito extensivamente mal utilizado, a Arte também tem sofrido distorções de uso e esvaziamento de seu real significado. O nível das escolas públicas era infinitamente melhor que hoje. Difícil era o educandário particular que podia concorrer com o ensino público daquela época. Os professores eram chamados de mestres, dado o respeito que eles impunham. Os pais eram mais respeitados e os filhos mais obedientes e responsáveis que na era moderna.

Sou contemporâneo daqueles que viram surgir artistas fantásticos da estirpe de um Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Tayguara, Tom Jobim, Gilberto Gil, João Gilberto, Paulinho da Viola, Luiz Gonzaga, MPB 4, Beatles, Elvis Presley, etc. Época de ouro onde pontificavam nomes que ficaram famosos nas mais diversas atividades, como Che Guevara, Dom Helder Camara, Henfil, Pelé, Geraldo Vandré, Garrincha, Cassius Clay, Nara Leão, Antônio Maria, etc. Bons tempos. Inegavelmente superior em qualidade e em oportunidade de escolhas. Como não lembrar desse tempo? Como não fazer comparações? Mas o mundo mudou e com ele surgiu uma nova e fascinante sociedade.

Temos que nos adequar à realidade a menos que queiramos ficar defasados por completo. É preciso ressaltar que a despeito de sentirmos nostalgia de um tempo que se foi, mesmo assim o advento da informática poderá tornar este mundo melhor. O ganho é enorme: as distâncias diminuíram, podemos hoje comprar quase tudo pela internet, com a comodidade de poder receber a mercadoria em casa. Podemos trabalhar, pesquisar, trocar mensagens com uma rapidez nunca imaginada num passado recente. Mas se faz necessário saber fazer uso da melhor forma possível dos benefícios da sociedade moderna. Saudade à parte, não nos esqueçamos de tirar o melhor proveito dela.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Nada além
Luiz Maia

Escute essas minhas palavras em forma de ternura. São lembranças minhas. Um dia, no silêncio de seu quarto, quem sabe você possa escutá-las sem que o sentimento de culpa venha esconder sua alegria. Você nunca pediu para entrar no meu pensamento. De repente, você me invade e é quase impossível expulsá-la porque já sou eu quem a espera. Creio na força do pensamento e transformo esse meu gesto em alento cuja razão guia os meus passos. Admiro seu jeito de arrebatar corações, algo que mexe com o imaginário da gente. Sua alegria contagiante me levou um dia a pensar que você era um sonho de verão. Mas logo o inverno chegou, trazendo consigo a realidade.

Ah, esse desejo que me incendeia o peito chega a doer em minh'alma. Já não há escolhas, preciso confessar-lhe. Falo sobre o que considero um amor bonito, quando, a partir de um certo instante, eu passei a sentir por você uma atração forte a ponto de desejá-la. Até que um dia eu quis beijá-la, conhecê-la em sua intimidade. Mas em nenhum momento você usou de cumplicidade. Nas vezes em que eu a desejei, o sentimento de culpa logo se apoderou de mim. Percebi que você já não era a menina de antes e aquele seu jeito de mulher despertara em mim um sentimento bonito, mas de difícil compreensão. Sei que nem lembra, quando certa vez busquei melhorar sua aparência e sugeri que você mudasse de penteado. Eu a achava uma graça quando defronte do espelho escolhia suas roupas, arrumava o cabelo, sempre olhando para mim. Eu parecia um bobo apaixonado, admirando seu sorriso nos lábios, a me perguntar se ficara bonita.

Acontece que com o passar dos anos as coisas tomaram outras proporções. Além do natural amor que eu sentia, fui levado de repente por um desejo que era mais forte que eu. Sem que você soubesse, eu passei a olhar de lado os seus namorados. Quando se arrumava para eles, meu ciúme era visível. Por algum tempo fiquei refém desse sentimento e isso me incomodou em parte. Até que um dia resolvi escrever uma poesia em sua homenagem, nada além disso eu poderia fazer. Creio que não escolhemos o papel que vamos representar nessa existência de forma consciente. Vamos tocando a vida e sofrendo as conseqüências do que fazemos e pensamos. Só na maturidade alguns de nós conseguem entender o que somos, o que fizemos de nossas vidas. Mas aí muita pancada já levamos e não podemos mais voltar no caminho. Nada como o passar do tempo para apagar nossas fantasias, nossos sonhos de verão.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Relatos...

Luiz Maia

Certa tarde, ao ligar a TV por assinaturas, deparei-me com um relato de experiências sexuais de uma dita ex-garota de programa. Fiquei a imaginar por que a mídia oferece um espaço caríssimo a quem aparentemente não tem muito a acrescentar à vida de ninguém. Em poucos minutos ficamos sabendo que durante cinco anos ela já havia praticado sexo com aproximadamente 5 mil homens. Uma média de mil homens/ano. Parecia uma atleta olímpica elevando a taça de campeã de orgasmos múltiplos. Essa experiência ela exibia ao público como se fosse um lindo troféu. Em todo caso eu quis saber qual a real finalidade de sua presença naquele programa.


E continuei ouvindo o relato de suas experiências sexuais. De inegável beleza, a moça aparenta ter-se deixado levar por falsas quimeras, embora soubesse perfeitamente qual o alvo a atingir. Não nego sua fluência ao tratar de um assunto polêmico, no entanto reconheço que tamanha desenvoltura diante das câmeras e dos microfones a credenciam a galgar um lugar melhor, condizente com novas experiências de vida, algo que a redima de uma vez por todas daqueles ambientes promíscuos, elevando-a à condição de exemplo de mulher que, talvez por méritos próprios, conseguiu um dia mudar de rumo, passando a ser útil à sociedade ao realizar palestras alertando os mais jovens para o perigo dos falsos prazeres, do lucro fácil, da vida vã. Afinal, nunca é tarde para reconhecermos os nossos equívocos. Parabenizo-a por ter mudado sua postura diante da vida, sem esquecermos que a vida é feita de escolhas. São elas que inevitavelmente determinarão nossas existências. A vida é curta, mas a estrada é longa.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Os versos que eu te fiz...

Luiz Maia

Nas noites em que eu mais te quis, eu te respeitei tanto... Afinal tu não sabias que num determinado momento eras a única pessoa que me alegrava. Eu te amei, e muito te quis. Cheguei a pensar em falar tudo, tentei mas a timidez falou mais alto e eu me vi em silêncio outra vez. Hoje caminho apenas por amor à vida. Meu andar trôpego e lento é envolvido por circunstâncias, por sentimentos que me fazem recordar teu instigante olhar. Absorvido por pensamentos que penetram pela janela entreaberta, vindos de ti, maldigo a distância que nos separa e faz doer meu coração. Tudo isso acontecendo e eu aqui pensando, brincando com as palavras. E como sou fácil de me emocionar! Não sei como há pessoas sem sensibilidade, que não quebram suas amarras e não se deixam ser levadas pela emoção. Como conseguem sobreviver assim, sem falar de amor, com suas vidas certinhas, mas carentes de uma lágrima a escorrer pelo canto da face, quando a saudade bate no peito?

Hoje, sem excesso de bagagem, eu parto para uma saudável caminhada. Quero levar os meus passos até a próxima primavera. Uma primavera diferente, com matas intactas, com árvores cobertas de folhagens e muitos pássaros a cantar. Tu sabes que jamais perdi o encantamento pela vida. Em cada passo meu, deixo nas pegadas da areia a lembrança tua, mas trago comigo a esperança que me devolve a mesma alegria de antes. Vivo incontáveis alegrias ao perceber momentos que se parecem conosco. Eu que te amava, e tu que de nada sabias. E vivíamos assim os dois juntos, em minha imaginação, sempre felizes. Creio que a vida jamais vai separar os que se amam. Mansamente, sem fazer barulho, o mar conseguiu apagar da areia os versos de amor que eu fiz para ti.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Meu encontro com Vinicius

Luiz Maia

"Eu possa dizer do amor / Que não seja imortal, posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure." - Bem à vontade, sentado numa cadeira de bar do hotel, despojado de vaidades, metido numa bermuda surrada, foi assim que de repente Vinicius de Moraes surgiu diante de mim. Foi no ano de 1972, na cidade do Recife. Ao lado de Toquinho e Maria Medaglia, Vinicius viera participar do show 'Encontro', no Teatro Santa Isabel. Foi um prazer imenso poder conversar um pouco com ele, num hotel à beira-mar de Boa Viagem. Impressionava-me o fato dele não largar o copo de uísque. Não que ele ficasse a beber o tempo inteiro. Não era isso. Talvez mantivesse o hábito de levar consigo a bebida por necessitar de um apoio. Houve um momento em que ele elogiou a acústica do teatro e a cor esverdeada do mar nordestino. Depois, com um sorriso nos lábios, disse-me que as mulheres do Recife eram belas como as do Rio. Depois fizemos um brinde à vida, enaltecendo a mulher Brasileira. Uma noite eu fui ao show a convite dele. Como esquecer minha alegria ao vê-lo cantando músicas que eu só escutara nas rádios? Na verdade eu não sabia ao certo o presente que o destino me reservara, pois só passei a valorizar esse encontro anos depois de sua morte. Ignorava a real dimensão de sua importância na literatura e na música popular brasileiras. Vinícius de Moraes será lembrado como o maior poeta lírico do seu tempo.

Não teria sentido eu ficar aqui falando de suas qualidades porque outros assim já o fizeram. Apenas dizer que sua linguagem coloquial fez dele um dos maiores compositores da MPB, sendo freqüentemente requisitado para realizar shows pelo mundo afora, ao lado do parceiro Toquinho. Era fácil perceber em Vinicius a marca do poeta que cantava o amor no dia-a-dia, tendo na figura da mulher sua fonte de inspiração maior. O mundo inteiro pode conhecer suas poesias, sonetos e baladas. Foi uma honra poder conversar amenidades com o poeta, desfrutando de bons momentos ao seu lado. O fato é que ele merece o reconhecimento de todos pela arte que nos foi legada. Tenho guardado até hoje comigo um autógrafo seu, simples lembrança daquele nosso encontro.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Amores

Luiz Maia

Algumas experiências de vida nos conduzem fatalmente a falar de amor. Por este motivo não desejo mencionar fatos tristes nem apresentar fórmulas que amenizam os dissabores - embora isto seja também uma maneira de amar. Quero realçar o caminho que nos leva ao prazer de saborear a essência da vida. Falar de infinitos amores. Dizer que amamos tantas vezes quanto nossa capacidade de compreender que somos seres únicos, com o poder de nos enamorarmos sempre que o coração pedir. Tudo como se fosse nossa primeira vez. Renascemos a cada momento quando brota em nosso coração o desejo por alguém, a vontade de estar mais perto da pessoa amada. Conheci pessoas que passaram a vida inteira amando de diferentes formas, homens que conseguiram escrever seu destino de amor em amor, como os amantes embevecidos ao lado da primeira namorada. Essas pessoas conseguem amar seguidas vezes porque nelas existe um permanente espírito recriador, amam tanto quanto sua capacidade de saber reinventar esse amor.

Durante sua permanência nesse mundo, homens e mulheres seguiram construindo seus sonhos de significante grandeza, sem mesmo tomarem conhecimento de sua importância no embelezamento da vida. Fizeram de seu viver exemplos de como deveríamos interagir uns com os outros. Romperam obstáculos e preconceitos sem ligar para o que as pessoas diziam. Ousaram quando, munidos de seus propósitos, tentaram vencer o mundo. Essas pessoas compreenderam que sem esse amor seria como se lhes faltasse o próprio ar que respiram. Todas têm o dom dos poetas porque sabem ler a alma humana, gente que se impõe pelos gestos engrandecedores. Seres com estranhos desejos, tanto que por meio de suas ações dão exemplos de amor ao mundo. Humanos seres que pensam no próximo em cada minuto de suas vidas. Pessoas simples, mas que trazem consigo sentimentos envoltos em códigos que ninguém conseguiu traduzir um dia.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Heróis anônimos

Luiz Maia

Cansei de ver prosperar a mentira, o endeusamento de falsos ídolos, o triste modismo do culto exagerado ao corpo. Não dá mais para se ler um jornal, assistir ao noticiário da tevê, escutar a rádio sem esconder um sentimento de indignação. Cansei de olhar a vida sem a perspectiva de que algo decente pudesse ocorrer em nosso país. Eu queria ver as pessoas usufruindo da boa música, de um filme que enalteça a superação e ao final todas pudesem sair do cinema felizes. Quem se atreve hoje a ligar a televisão para assistir a um programa ao lado da família, sem receio de vir a se decepcionar? Ninguém. O que se vê é a prevalência do mau político sobre o homem de bem, o corruto que bate no peito se dizendo orgulhoso pelos atos praticados. Pena que mesmo assim sejam eles eleitos pela sociedade.

Eu não compreendo a razão de se dar tanto destaque à mediocridade em detrimento daquilo que tem valor. É difícil entender o jogador de futebol que é exaltado como se fosse um deus. Pseudo artistas que se tornam famosas por possuírem um corpo malhado, gente que se presta a posar nua na primeira revista que lhe ofereça um cachê compensador. Neste sentido o apelo erótico funciona apenas como atalho para alcançar seus objetivos de ordem material. A mídia, que deveria elevar o padrão de sua programação, infelizmente parece mesmo disposta a nivelar-se por baixo. É necessário que se dê um basta nesse festival de mau gosto. Lamento que os meios de comunicação queiram nos impôr falsos heróis goela abaixo. Esses não representam em nada o Brasil real. É preciso de uma vez por todas rever o conceito do que é decente e do que merece ser realmente valorizado.

No meu modo de ver, heróis de verdade são as pessoas simples que trabalham noite e dia para se sustentarem, muitas vezes sendo preciso apanhar quatro conduções para chegar ao trabalho. Gente honesta que se acorda cedinho e que vai dormir tarde da noite para obter o pão, ganhando pouco e sofrendo às vezes sérias humilhações. Heróis são os garis que limpam as cidades que nós ajudamos a emporcalhar, são pedreiros que sujam as mãos na massa e no cimento trabalhando pesado para erguer os prédios nos quais iremos morar.

Verdadeiros heróis são aqueles homens do povo, os motoristas que se debruçam sobre a direção de ônibus e caminhões, colaborando para levar o progresso aos quatros cantos do país. Não podemos esquecer a laboriosa classe dos professores, homens e mulheres que levam o conhecimento às pessoas, heróis anônimos ignorados neste país. Heróis de verdade são todas as criaturas humildes que trabalham noite e dia, gente simples deste imenso Brasil, homens e mulheres sofridos que ganham a vida distante do glamour dos holofotes, longe do brilho falso dos palanques daqueles que detêm o poder. Indivíduos que carregam consigo apenas a marca da honestidade, característica nobre que simboliza as pessoas de bem.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Fim de caso

Luiz Maia

O apartamento está impregnado de sua presença. Em cada canto sua imagem aparece como se fosse presença definitiva em minha vida. Antes eu me perguntaria o que interessa tudo isso se aqui você já não está? O mais importante foi admitirmos que nossa separação possibilitou o fortalecimento de uma forte amizade. Passamos a cuidar de interesses comuns a ponto de ficarmos felizes com o sucesso do outro. Sentíamos a surpreendente necessidade de conversarmos sobre tantas inquietações, sobre as questões que diziam respeito às dúvidas do coração. Quantas vezes você me pediu conselhos sobre seu namorado? E as vezes em que me ajudou a escolher um livro para uma amiga querida? Foi preciso ter passado por essas experiências com você para eu poder sair do meu casulo, do meu indisfarçável egoísmo que me levou à solidão por longos dias. Nossa separação nos serviu como ponte para alcançarmos o outro, para sermos solidários com as pessoas a quem queremos bem.

Hoje em dia passamos a rir de nós mesmos quando nos lembramos das brigas bobas, dos desencontros como se fôssemos duas crianças. Como está sendo bom poder falar de valores esquecidos sem ter medo de cobranças. Quando nos encontramos ou falamos ao telefone já não existe em nós aquela angústia que nos constrangia. O que existe é a certeza de que estamos abertos ao novo, às novas e enriquecedoras experiências. Hoje em dia eu a admiro mais que antes. Fico feliz ao vê-la desfilando sua maturidade, escolhendo o que deseja para ser na vida, amando mais livremente sem se preocupar com detalhes menores. Eu me sinto feliz por ter-me livrado dos sentimentos de culpa. Você é responsável pela liberdade de que hoje desfruto. Posso afirmar tranqüilo ter valido a pena tudo que vivemos juntos. Aprendemos muitas lições de vida, amadurecemos a ponto de perceber que certas atitudes são incompatíveis com o amor.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Amor à Natureza

Luiz Maia

Tenho visto da varanda a cidade do alto, por entre as árvores das ruas deste lugar. Fujo, como os saguis assustados, dos intermináveis engarrafamentos passeando pelo imaginário verde desta floresta. Essa maneira especial de gostar da natureza traduz um sentimento imperturbável, prazeroso eu diria. Tal como o andamento da vida, esse meu jeito persiste ao longo do tempo. Por outro lado, tenho sofrido demais ao presenciar o desprezo dos homens com o meio ambiente. Minha ligação com o verde, com a flora e com os animais é algo muito bonito dentro de mim. Só quem me conhece sabe como eu amo tudo isso. Chego a acreditar que se realmente existir a reencarnação, como pregam e creem os espíritas, certamente eu já fui um animal um dia ou, quem sabe, uma árvore ou mesmo um pássaro...


Um belo dia imaginei que eu me transformara numa frondosa e bela árvore, do pouco que ainda resta da Mata Atlântica. Eu me comprazia ao perceber que podia oferecer fruto e sombra às pessoas, além de embelezar o ambiente levando oxigênio para o homem respirar ar puro. Eu me sentia útil e feliz com o meu destino, até que um dia eu vi os homens se aproximarem de mim com motosserras e, sem nenhum escrúpulo, sem dó nem piedade, cortaram os meus galhos, deixando-me morta e deitada no chão. Em pouco tempo eu já fazia parte da mobília de alguma família, passei a ser um simples móvel... Continuando com esse inesperado sonho, eu pedi para nascer novamente, agora em forma de pássaro. E foi assim que eu renasci debaixo das penas azuladas de um lindo pássaro da Região Amazônica. Que maravilha era desfrutar do infinito das matas, do lindo e imenso céu azul! Eu acordava me sentindo livre, leve e dono do mundo. A minha vida era contagiada por pura alegria, cantando feliz para o mundo que me acolheu um dia. Perdi a conta das vezes em que eu voei sobre quilômetros e quilômetros de florestas virgens, planando sobre cachoeiras até voltar ao meu ninho. Mas um dia vieram os homens e me pegaram no alçapão. Preso, junto com outros pássaros, eles decidiram nos vender em cidades distantes. Não suportei os dias preso e morri. Não demorou muito para eu virar uma ave empalhada, uma forma estranha de prazer dos homens...
Mas aí achei de pedir a Deus para nascer novamente. Dessa vez eu quis vir em forma de vento. Sim, eu queria ser o próprio vento! Não demorou muito para eu estar em atividade de novo, só que mansamente. Mas aí comecei a me lembrar de outras vidas, do mal que me fizeram e num segundo tomei raiva dos homens. Num momento de total insensatez eu pensei em me vingar de todos eles. Afinal, eu era o vento e podia a qualquer momento me transformar num tornado. E comecei a mudar de forma, passando a levar muita dor a cidades inteiras, deixando um rastro de destruição. Os homens estavam desta vez reféns de mim. Eu era forte e podia acabar com a vida deles quando quisesse. Mas de repente uma tristeza imensa invadiu minh'alma. Eu estava me igualando aos homens na pior forma de levar a dor aos outros. E logo me veio o arrependimento e passei a atuar apenas como brisa. Somente assim eu passei a me sentir novamente útil, livre e responsável com a minha missão nesta terra.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Lembra-te de mim

Luiz Maia

Tudo aconteceu repentinamente. Com o passar dos anos nosso amor já não era o mesmo. Nos primeiros meses de convivência tivemos experiências maravilhosas. Mas, sem que eu me desse conta, percebi que o brilho de teus olhos não mais prendiam minha atenção. Os meus beijos, que tantas vezes chegastes a me pedir, foram estranhamente por ti esquecidos. O teu sorriso aberto escondeu-se por trás de um semblante triste, diferente de quando nos conhecemos. Nosso namoro fogoso, os beijos apaixonados, as juras de amor que fazem todos os casais, tudo isso se perdeu na contramão do tempo. Esquecemos de contemplar o pôr-de-sol e já não vamos aos lugares a que costumávamos ir com certa freqüência. Os dias foram passando sem que pudéssemos nos lembrar das partilhas construídas com tanto amor, nem das conversas sobre a paz vinda das florestas que tanto encantou nosso viver. Não, definitivamente já não ouço o cantar dos pássaros nem os passos teus. Essa distância, que me remete a um doído silêncio, tem o poder de esconder a beleza que antes havia em ti. Tu que sempre fostes por mim amada, hoje não passas de recordação. Bom era o tempo em que podíamos olhar em nossos olhos e perceber o quanto que nos queríamos bem.

Eu fico pensando que o amor que nutríamos um pelo outro pode ficar para trás se não tivermos a percepção para entender que as pessoas mudam a cada dia, que nada é estável e que tudo é dinâmico. Quando exigimos que o outro permaneça igual como fora antes, deixando de lado seu crescimento e sua curiosidade em relação a outros aspectos da vida, estamos sendo egoístas, para não dizer arbitrários. Quando esquecemos de aceitar as pessoas como elas são, a nossa desilusão mais adiante será inevitável. Eu comecei a analisar esses fatos e passei a entender que eu precisava refazer urgentemente meus planos, para em seguida tentar realizá-los em parceria com a mulher amada, dessa feita numa ação conjunta e de fato prazerosa. Nossa vaidade pode nos levar a desenvolver uma aversão àqueles que não combinam com o que gostaríamos que fossem. Nesse caso passamos a brigar contra a realidade e a substituí-la por nossas idéias. Num determinado momento acreditamos que essas idéias correspondem aquilo que somos. Ledo engano. Quem quiser aprender com a vida considere primeiramente nossas tangíveis diferenças. Infelizmente só percebemos o quanto que ainda temos a aprender neste mundo quando já somos maduros.